VALORES SOCIAIS

VALORES SOCIAIS

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QUAIS SÃO OS VALORES SOCIAIS E O CARÁTER MORAL DO CAPITALISMO E ONDE ELES APARECEM NO MUNDO CONTEMPORÂNEO?

(Estudantes do Colégio Equipe e do CEFET

-- o que realmente nos aproxima e o que realmente nos distancia?)

Silvia Gomes D’Almeida Nº26 2ºA 2006 Filosofia e História

 

Uma sociedade é formada por três principais relações: a relação com a natureza, que funda as relações econômicas (matéria-prima, produto, mercado); a relação entre os homens, que funda as instituições sociais (do núcleo familiar até o sistema jurídico e político); e a relação com os sentidos, que é a que nos importa, em que estão inseridos a ideologia, os valores, a cultura e a moral de determinada sociedade.

A mente humana, na teoria freudiana, também apresenta uma instância que atua como um juiz ou censor sobre as atividades e pensamentos, um depósito dos códigos morais e modelos de conduta. É clara e facilmente perceptível a presença das palavras ‘moral’ e ‘valor’, do grande pensar - o macro - (enxergar a sociedade como um todo, o mundo, os grupos aos quais pertencemos) ao pensamento pequeno - o micro - (nós mesmos como indivíduos, nossos pensamentos, nossas vontades).

Os juízos de valores estão presentes o tempo todo no nosso cotidiano. Eles aparecem quando atribuímos uma qualidade a um ser (seja ele um ser vivo ou uma idéia). Diante dos seres, somos mobilizados pela nossa afetividade, somos afetados de alguma forma por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Algo possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. A não-indiferença é, portanto, a essência do valor. Importante lembrar de onde vêm esses valores: num primeiro momento, eles são herdados por nós.

Ao nascermos, o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecido, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos; como andar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; quais são nossos direitos e deveres; e mais. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados como bons ou maus.

Não só as pessoas ao nosso redor podem achar boa ou ruim uma ação nossa como até nós mesmos nos orgulhamos, arrependemos ou sentimos culpa de certas ações; ou seja, o resultado de nossos atos está sempre sujeito ao elogio ou a reprimenda, à recompensa ou à punição, em diferentes intensidades: da crítica de um amigo ou de uma bronca da mãe até a coerção física (a repressão pelo uso da força, como a prisão). 4

Há diversos tipos de valores, incluindo os valores éticos e morais.

A palavra “ética” vem do grego “ethos”, e a palavra “moral” vem do latim “moris”; as duas significam “costume”, que, por sua vez, é a maneira de se comportar regulada pelo uso. Mas há a diferença: a ética é a parte da filosofia que se ocupa da reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral; e a moral é o conjunto das regras de conduta admitidas por determinada época ou por um grupo de pessoas, determinando o “sujeito moral” como aquele que age bem ou mal na medida que acata ou transgride as regras morais.

A moral é composta por dois pólos contraditórios:

o primeiro é o caráter social da moral, que resulta no dogmatismo e no legalismo. A educação moral, assim, visa apenas inculcar nas pessoas o medo das conseqüências da não-observância da lei.

O segundo pólo é a intimidade do sujeito, que resulta no risco de destruir a própria moral, cai no individualismo, na “tirania da intimidade”, e, conseqüentemente, no amoralismo (ausência de princípios).

Por isso, é preciso considerar esses dois extremos como uma relação dialética, uma relação em que se estabeleça o tempo todo a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa de proibições. Essa consideração não aparece no sistema capitalista, em que os dois extremos são considerados, dependendo da situação: o mais rico é sempre favorecido com o pólo do individualismo, e o mais pobre sempre julgado somente pelas regras morais e leis de conduta.

Assim, quando criamos valores, não o fazemos para nós mesmos, mas como seres sociais que se relacionam com outros. Isso não impede que o que chamamos de imoral nos atinja em particular, já que a lei (moral e jurídica) que nos proíbe de matar alguém, por exemplo, também proíbe qualquer um de nos matar. O conjunto de exigências reconhecidas por nós como válidas para orientar a escolha é chamado de consciência moral, e é essa consciência que discerne o valor moral dos nossos atos.

O ato moral, então, torna-se um ato voluntário: o controle dos desejos1 e a boa relação com as vontades (a parada diante do desejo). Seguir os desejos sempre é então negar a moral; porém, controlá-los não 1 Desejos não resultam de escolhas, surgem em nós com toda a sua força e exigência de realização. 5 é o mesmo que reprimi-los, e sim adquirir autonomia para escolher entre eles.

Se o ato moral é um ato voluntário, qual é então a relação dos valores morais com a estrutura econômica da sociedade em que vivemos (o capitalismo)? Engels dizia que a passagem da sociedade primitiva à sociedade de classes manifesta-se como uma caída do nível moral do homem: “Os interesses mais vis

– a baixa cobiça, a brutal avidez pelos gozos, a avareza sórdida, o roubo da propriedade comum

– inauguram a nova sociedade civilizada, a sociedade de classes; os meios mais vergonhosos

– o roubo, a violência, a traição – minam a antiga sociedade das gens – sociedade sem classes

– e a conduzem à perdição.” As mudanças que afetam a base econômica são, portanto, a causa determinante das que se operam na moral. Esta fala de Engels é comprovada quando lembramos que, correspondendo a um sistema capitalista em que a organização gira em torno do capital, a palavra “valor” foi remetida e reduzida totalmente à palavra “preço”, não só no Brasil, mas em muitos outros países.

O valor das coisas agora é visto e definido pelo preço que se dá a elas, que é o que a filosofia Marxista chama de valor de troca (indicador da proporção de bens que são intercambiáveis uns pelos outros, tanto diretamente – escambo –, quanto por intermédio do dinheiro). O valor de troca depende de um outro valor, o valor de uso, que diz respeito à satisfação de alguma necessidade de qualquer ordem, material ou ideal, para o consumidor.

Hoje em dia, com a total popularização do dinheiro, há o costume de remeter o preço (valor de troca) de tal produto ao valor benéfico, o valor de uso desse mesmo produto, ou seja: um produto muito barato já gera desconfiança por parte do consumidor, e uma etiqueta que indique um preço alto é entendida como marca de finesse, elegância e poder para quem a usa. Sobre os motivos que inspiram os atos da classe capitalista, Marx, em “O Capital”, afirma: “O capital tem horror à ausência do lucro ou mesmo do lucro pequeno, como a natureza ao vazio.

À medida que o lucro aumenta, o capital toma vulto; se lhe for assegurado um lucro de 10%, sairá de onde estiver; uns 20%, e se sentirá mais animado; com 50% , positivamente temerário; com 100%, será capaz de saltar por cima de todas as leis humanas; e com 300%, já não há crime a que não se arrisque, ainda que leve ao patíbulo.”. 6

Nós, dessa nova geração (os jovens de hoje) nascemos numa época de extrema força do caráter moral capitalista, e acabamos herdando, dos mais distintos grupos dos quais fazemos parte, pensamentos e valores como este; tanto no Colégio Equipe, que é um colégio particular, situado em uma grande metrópole, cujos alunos são em geral de classe média, e em que há esse tipo específico de ensino (o crítico); quanto no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) de Cubatão, um colégio federal, em uma cidade com uma grande percentagem de pobreza e, ao mesmo tempo, o maior pólo petroquímico do País.

Essa moral capitalista atual, segundo a qual o valor de troca das coisas é da maior importância, aparece forte no comportamento rotineiro dos estudantes.

“Ah, eles nem são tão diferentes da gente, tem até orkut e celular.”

Esta foi uma das frases ditas em uma das primeiras aulas pós-viagem de campo no Colégio Equipe, ao conversarmos sobre a visita aos estudantes do CEFET.

Esse tipo de comentário mostra o quanto o pensamento de que bens de consumo podem representar valores e até assimilar ou diferenciar pessoas está já enraizado em nossas cabeças, assim como a utilização do termo “bem-sucedido”.

O que é uma pessoa “bem-sucedida”?

O que quer dizer “ser alguém na vida”, como muitos jovens planejam como futuro?

Ser bem-sucedido ou ser alguém na vida é ter dinheiro e bens de consumo o bastante para ter uma vida confortável ou até para competir com os outros, em uma sociedade em que, como diria Adorno, “o detentor de grandes reservas de trigo está interessado em que sobrevenha uma seca, em que haja má colheita, fome, pois tudo isso pode fazer subir o preço de sua mercadoria; ao médico interessa que cresça o número de enfermos e doentes; ao advogado, que se cometam muitos crimes e delitos; ao arquiteto, que haja incêndios na cidade; ao coveiro, que aumente o número de mortos.

A desgraça de uns é a fonte de lucro e até meio de vida para outros“. Assim, os jovens se tornam cada vez mais competitivos, na escola, na família, nos jogos de video game, no vestibular, e no mercado de trabalho.

“O homem é lobo do homem”; “muito tens, muito vales”;

“o talento está no bolso”;

“cada um por si e Deus por todos”.

 Nesses ditos e noutros, de igual teor, expressam-se as normas da moral capitalista, nascidas do antagonismo de classes, da propriedade privada e da competição geral. 7

Essa moral também carrega a conversão de tudo o que se possa imaginar em mercadoria, em valor de troca. Tudo se compra, tudo se vende – a mão-deobra, a consciência, a honra, a beleza, o talento artístico e até os sermões de um padre. Nas palavras de Marx: “a circulação das mercadorias é como uma grande retorta social à qual se lança tudo para sair cristalizado em dinheiro. Dessa alquimia não escapam nem mesmo os ossos dos santos.

Com o dinheiro desaparecem todas as diferenças qualitativas das mercadorias, e há um nivelamento pela base, que anula todas as diferenças. Além disso, o dinheiro é uma mercadoria, um objeto material que pode se converter em uma propriedade privada de qualquer um.

Quem o possui tem tudo.

Quem carece dele está condenado à miséria, está perdido.”.

O dinheiro, aos olhos do capital, é a medida da dignidade do homem.

Sua posição social é determinada pela quantidade de dinheiro que possui. E esse indivíduo possuidor de dinheiro pode dizer, como acentuou Marx:

“Sou feio, no entanto posso comprar a mulher mais formosa que desejar, o que quer dizer que não tenho feiúra, pois o que a ela possa ser repelente é destruído pelo dinheiro.

Pode ser que fisicamente alguém seja coxo, mas como o dinheiro lhe dá uma dúzia de pernas, desaparece o seu defeito. Pode-se ser idiota, desonesto, carente de gênio, néscio, mas como o dinheiro é tido em alta conta, quem o possui também o é.

O dinheiro é o maior de todos os bens, e quem o possui pode considerar-se, também, excelente. O dinheiro exime até de ser desonesto, e o seu detentor pode ser facilmente probo.”

E é assim que a figura de um revolucionário de esquerda, como Che Guevara, torna-se uma camiseta, um adesivo ou um broche hoje; que um movimento político, como o movimento punk de antigamente, torna-se totalmente consumível, não de um jeito figurado, mas um produto a ser comprado; que a cultura, como o teatro e o cinema, vem tornando-se produto que se compra como um doce no mercado; que a inteligência, a intimidade, a informação, vêm todas em forma de mercadoria, diminuindo a capacidade de se informar e aprender para as classes mais baixas e, conseqüentemente, aumentando o abismo entre classes e o preconceito.

Preconceito que é fortalecido principalmente pelo medo, um medo daquele que se mostra uma ameaça para quem tem muito: o que tem pouco, que  pode tirar aquilo de material que é nosso, de roubar os nossos bens mais modernos e mais caros.

Bens esses que nos definem como pertencendo a certa classe, e que também nos criam estereótipos aos olhos de outros, como apareceu claramente na conversa com estudantes do CEFET, em que, antes mesmo de conhecê-los, os julgávamos pobres, e, conseqüentemente, conformados e alienados; e fomos julgados como “riquinhos, metidos, fúteis e alienados”, num primeiro momento. Assim como o preconceito, o sentimento de rejeição social encontra uma forma, acredito que a mais fácil, de inserir-se na sociedade: através de bens materiais, bens de consumo.

O indivíduo que possui um tênis da Nike de ultima geração, um IPOD, uma roupa de marca, é aquele que está dentro dos padrões sociais, que está inserido na sociedade. E os bens então se tornam critérios válidos e rotineiros para distanciar e assimilar pessoas, principalmente entre os jovens, que vêm crescendo em meio a uma modernização tecnológica individualista e competitiva.

Mas como transformar valores tão desumanos?

Eu diria, antes de tudo, que é preciso lembrar e esclarecer que moral e política estão sempre ligadas, no sentido de estabelecer a dialética entre o privado e o público; é o que forja o caráter moral das pessoas; ser responsável é responder por nossos próprios atos, morais ou imorais. Isso nos ajuda a pensar que, para sermos libertados de tais valores, devemos ter sempre aberta a possibilidade de transgressão à norma, mesmo àquela que escolhemos respeitar.

E, como reforça Mohandas Karamchand (Mahatma) Gandhi:

“A primeira coisa, portanto, é dizer-vos a vós mesmos: ‘não aceitarei mais o papel de escravo. Não obedecerei às ordens como tais, mas desobedecerei quando estiverem em conflito com minha consciência.’ O assim chamado patrão poderá surrar-vos e tentar forçar-vos a servi-lo. Direis: ‘não, não vos servirei por vosso dinheiro ou sob ameaça’. Isso poderá implicar sofrimentos.

Vossa prontidão em sofrer acenderá a tocha da liberdade que não poderá jamais ser apagada.” 9 E agora o que me resta é questioná-los e me questionar mais uma vez: afinal, o que realmente aproxima e o que realmente distancia de nós, “Equipanos”, dos alunos do CEFET?

Ou melhor: qual é o critério válido para responder a essa pergunta? E será esse critério moral, imoral ou amoral?

A pergunta fica, mas a reflexão muda. 

 BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS:

 - ARANHA, Maria Lúcida de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires- Filosofando. - MARX, Karl - O Capital. - BEAUVOIR, Simone de - O Pensamento de Direita, Hoje. - CHAUÍ, Marilena - Convite à Filosofia. - VIEIRA, Evaldo - O Que é Desobediência Civil? – Coleção Primeiros Passos - GOMES, Silvia – Anotações no Roteiro de Viagem de Campo para Cubatão. - LIMA, Lizânias de Souza – Aulas de História Geral. - LIMA, Marlito de Souza – Aulas de Filosofia. - YAMBANIS, Eliane – Aulas de História. - CARVALHO, Antônio Carlos de – Aulas de Geografia. - COLÉGIO EQUIPE, Alunos do Segundo Ano do Ensino Médio de 2006. - CEFET , Alunos do Segundo Ano do Ensino Médio de 2006. - GOOGLE, Site de Pesquisa –

http://www.google.com.br

 

 http://eumat.vilabol.com.br

 

http://amigosdaterra.net/descargas/images_2006/consumo.png

 

AGRADECIMENTOS:

Ao Colégio Equipe, ao professor Marlito de Souza Lima; à professora Eliane Yambanis; ao professor Lizânias de Souza Lima; aos profissionais responsáveis pelo trabalho de campo para Cubatão; à mamãe e o papai; ao apoio moral da irmã que dá saudades; às indústrias de computador, de papel, de tinta e de impressora, e todas empresas e indústrias relacionadas; aos trabalhadores envolvidos nesse processo todo; ao comentário infeliz feito na aula pós-cubatão por ter gerado minha indignação e provocar esse meu tema de ensaio; aos meus colegas e amigos de classe e de fora da classe por terem a paciência de ouvir sobre meu ensaio e até lê-los (em especial, minha companheira de estudos, Júlia de Azevedo); à Eliana, mamãe da Julia; às profissões de meus pais por pagarem a mensalidade da minha escola; aos funcionários do Colégio Equipe que organizaram e limparam as áreas de estudo para o processo deste trabalho; à minha e às outras gerações; e, por fim, a tudo que me fez excluir a indiferença agradecendo tanta gente e ainda assim não me satisfazer. Obrigada.